
Pasta
lançou o 'TrateCOV', que recomenda que médicos e enfermeiros deem 'tratamento
precoce' contra a Covid. Medicamentos indicados já tiveram sua ineficácia
contra a doença comprovados.
O Ministério da Saúde lançou um aplicativo que recomenda o que chama de "tratamento precoce" a pacientes que têm sintomas que podem ou não ser da Covid-19. O "tratamento" indicado inclui medicamentos que, segundo demonstraram diferentes estudos, não funcionam contra a doença, como a cloroquina, a hidroxicloroquina e a azitromicina. Não existe um "tratamento precoce" que se mostrou eficaz contra a Covid-19. A recomendação do aplicativo do ministério para tratamentos de Covid-19 com esses medicamentos foi revelada pelo jornal “O Estado de S. Paulo”.
O aplicativo, chamado "TrateCOV", é uma página na qual médicos e enfermeiros podem inserir dados do paciente – como peso, altura, e comorbidades – e sintomas. Também há campos em que o profissional responde se o paciente saiu ou não de casa nos últimos dias e para onde foi.
O G1
preencheu os campos do aplicativo, como exemplo, com os sintomas febre,
rinorreia (coriza), dor de garganta e congestão nasal, que nem sempre aparecem
em pacientes com Covid. Nenhum sintoma específico da Covid foi preenchido.
Os campos
de locais aonde o paciente pode ter ido foram preenchidos com 0 – indicando
zero saídas de casa. Na simulação, os sintomas do paciente começaram há 3 dias
(no dia 17 de janeiro).
Mesmo sem
sintomas específicos – e nem queda de saturação ou falta de ar – o aplicativo
indica um "escore de gravidade" de 12. O mínimo para haver um
diagnóstico de Covid é 6.
Com o resultado, a página indica o "tratamento precoce" contra a doença. Também aparece uma recomendação de fazer um teste PCR em pacientes com 5 dias ou menos desde o início dos sintomas.
Após a recomendação, o profissional de saúde precisa informar se vai ou não usar o "tratamento precoce" para aquele paciente. Caso não utilize, precisa justificar. Ele também precisa inserir o número do CRM (registro profissional para médicos) ou do Coren (para enfermeiros).
Caso opte
por usar o "tratamento precoce", o profissional vê as seguintes
opções:
- Difostato de Cloroquina 500mg ---------- 6 comprimidos. Tomar 1 comprimido de 12/12 horas no primeiro dia. Após, tomar 1 comprimido ao dia, até completar 5 dias.
- Hidroxicloroquina
200mg ---------- 12 comprimidos. Tomar 2 comprimidos de 12/12 horas no primeiro
dia. Após, tomar 2 comprimidos ao dia, até completar 5 dias.
- Ivermectina
6mg ---------- Tomar 4 comprimidos ao dia por 5 dias.
- Azitromicina
500mg ---------- 5 comprimidos. Tomar 1 comprimido ao dia, por 5 dias.
- Doxiciclina
100mg ---------- 10 comprimidos. Tomar 1 comprimido 12/12 horas, por 5 dias.
- Sulfato de
zinco __ ---------- 14 comprimidos. Tomar 1 comprimido de 12/12 horas por 7
dias.
- O sulfato
de zinco aparece com a opção de indicação de 30mg ou 50mg.
Código
programado
O código do
aplicativo também parece programado para recomendar o uso dos medicamentos aos
pacientes independentemente de alguns dos campos preenchidos.
"A
parte do formulário que indica o tratamento parece já estar embutido no
formulário. Não é como quando a gente preenche um formulário, tem o
processamento e vem o retorno. É como se já estivesse ali, pronto, só
escondido. E realmente não faz diferença qual o nível que você tem de sintomas
ou algo do gênero. Qualquer sintoma que você colocar ele já vai colocar você a
nível 6", explica Joselito Júnior, desenvolvedor web ouvido pelo G1.
"Não
influencia sua idade, seu peso, onde você vive, quantas vezes você saiu para
ele indicar o medicamento. Para todo mundo que tem sintoma, ele indica isso
caso exista a escolha de fazer o tratamento precoce. A única coisa que usa de
diferença nessa parte do peso é a dosagem desses medicamentos. Mas os
medicamentos em si são os mesmos. Então se você colocar um idoso que tem todas
as comorbidades ou uma criança recém-nascida que está com tosse, ele vai
indicar exatamente as mesmas coisas se você indicar que quer tratamento
precoce. É notável que essa parte foi programada à parte. É como se o
formulário tivesse um template pronto, algum software que gerasse esse
formulário e essa parte foi escrita especificamente para esse fim", afirma
Joselito Júnior.
O que diz o
Ministério da Saúde
Ao divulgar
a página, o Ministério da Saúde afirma que desenvolveu o aplicativo "para
auxiliar os profissionais de saúde na coleta de sintomas e sinais de pacientes
visando aprimorar e agilizar os diagnósticos da Covid-19".
Segundo a nota, "a plataforma traz ao médico cadastrado um ponto a ponto da doença, guiado por rigorosos critérios clínicos, que ajudam a diagnosticar os pacientes com mais rapidez. Depois disso, o TrateCOV sugere algumas opções terapêuticas disponíveis na literatura científica atualizada, sugerindo a prescrição de medicamentos".
O G1
questionou a pasta sobre qual seria a "literatura científica
atualizada" que indica os supostos tratamentos, mas não obteve resposta
até a publicação desta reportagem.
O Conselho
Federal de Medicina (CFM) também foi questionado sobre o aplicativo, mas também
não respondeu até a última atualização deste texto.
Nesta
semana, a rede social Twitter colocou um alerta em uma publicação do Ministério
da Saúde, apontando que houve "a publicação de informações enganosas e
potencialmente prejudiciais" relacionadas à Covid-19. No post, a pasta
indicava o "tratamento precoce" contra a doença.
O ministro
da Saúde, Eduardo Pazuello, também mentiu ao dizer que nunca houve, por parte
do ministério, recomendações de tratamento precoce.
Na semana
passada, o presidente Jair Bolsonaro também defendeu o "tratamento"
mesmo com a ineficácia comprovada deles.
Especialistas
criticam
Médicos e
cientistas ouvidos pelo G1 criticaram a página e reforçaram que não existe
tratamento precoce para a Covid.
"É uma
pena que o Ministério da Saúde ainda insista em colocar nas suas recomendações,
que pressione médicos a usar, quando o consenso na literatura mundial e na
recomendação das sociedades cientificas brasileiras é de não utilizar essas
medicações", avalia o infectologista Renato Kfouri, da Sociedade
Brasileira de Imunizações (SBIm).
"O uso
de tratamentos ou de medicamentos em Covid-19 leve, seja preventivo ou na fase
inicial, não encontrou até hoje nenhuma evidência científica que justifique a
sua aplicação", afirma Kfouri.
"Eu
vejo como a adoção de uma prática de curandeirismo, pelo Estado, como
estratégia de saúde pública. É uma prática baseada numa crença, somente numa
crença, de que [as pessoas] vão ficar curadas da doença e não vão desenvolver
quadros graves. É um absurdo ser tratado como estratégia de saúde
pública", avalia Alexandre Zavascki, médico infectologista e professor da
Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
"Além
disso, nós estamos fazendo curandeirismo não com ervas, com chá, estamos dando
medicações não por um médico, mas por um aplicativo, que provavelmente não teve
nenhuma validação científica da sua aplicabilidade, do seu poder
discriminatório de diferenciar uma doença ou não, totalmente sujeito a
fraudes", pondera.
"Estamos
dando medicações com potenciais de toxicidade enorme. Nós vamos ter, sim,
efeitos colaterais dessas medicações em decorrência da prática de prescrição
por aplicativo", afirma.
Zavascki
também alerta para o uso de antibióticos – como a azitromicina – em larga
escala.
"É uma
prática que todo mundo tem cuidado, porque isso tem consequências para o
aparecimento de bactérias resistentes – você lançar antibiótico na população,
isso não vai ficar sem consequências em larga escala", diz.
Kfouri
reforça que vários estudos já foram feitos e nenhum comprovou eficácia nos
tratamentos .
"Vermifugos
[como a ivermectina], remédios para tratamento de malária, remédios para
tratamentos de outros vírus como HIV e hepatite foram testados e todos eles, em
vida real, com doentes, comparando com quem não toma nada, não mostraram
nenhuma diferença no desfecho, seja hospitalização, prevenção, tratamento nas
formas leves", disse Kfouri.
"Nas
formas graves, nós aprendemos que algumas drogas como corticoides e
anticoagulantes são benéficos. Mas para tratamento em casa, antibióticos,
vermífugos, remédios para tratamento de malária não têm nenhum efeito e muitas
vezes podem trazer malefícios, como alterações cardíacas pela
hidroxicloroquina. Isso é contraindicado", reforçou.
Estudos
comprovam ineficácia
Em
novembro, um estudo brasileiro mostrou que pacientes que tomam cloroquina há
anos tem o mesmo risco de desenvolver a Covid-19 do que aqueles que nunca
tomaram. Participaram cerca de 400 estudantes de medicina e quase 10 mil
voluntários espalhados por 20 centros do Brasil.
Antes
disso, outras pesquisas já haviam acusado a ineficácia das substâncias para
prevenção e tratamento da infecção pelo coronavírus. A revista científica
"Nature", uma das mais renomadas do mundo, publicou dois estudos que
apontaram que a cloroquina e a hidroxicloroquina não são úteis contra a
Covid-19.
Em 16 de
julho de 2020, outra revista, a "Annals of Internal Medicine",
mostrou com testes padrão ouro que a administração de hidroxicloroquina em
pacientes com quadro leve de Covid-19 também não se mostrou eficaz.
Esses
mesmos resultados continuaram se repetindo em outros estudos. Uma pesquisa
brasileira também fez testes em humanos e foi publicada no “The New England
Journal of Medicine". Mais uma vez, os pesquisadores apontaram que a
hidroxicloroquina não teve eficácia no tratamento da Covid-19 em pacientes com
casos leves e moderados atendidos em hospitais.
A decisão
de não recomendar o uso de antimaláricos e de um tratamento precoce não ficou a
cargo apenas dos cientistas. A FDA, agência reguladora dos Estados Unidos com
papel similar à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), suspendeu o
uso da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19 em junho do ano passado.
Em outubro,
a Organização Mundial da Saúde divulgou seus próprios resultados: mais de 30
países envolvidos em um estudo com mais de 11,2 mil participantes. No artigo,
os cientistas afirmaram que quatro antivirais utilizados contra a Covid-19 são
ineficazes: remdesivir, hidroxicloroquina, lopinavir/ritonavir (combinação) e
interferon beta-1a.
Via Bem estar
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Venha morar no Brasil de volta para saber a realidade. Assim de longe em um país bom de morar, pequeno sem problemas é fácil falar. Porque emigrou? O tratamento precoce funciona sim, muita gente não foi internada devido a esse tratamento. Venha para o Brasil ver a realidade. Abraços