
O Inep, que
aplica o exame, disse à Justiça que "reorganizar um calendário a nível de
Enem é fragilizar e colocar em risco políticas públicas". Especialistas
ouvidos consideram que risco de contaminação nas condições da prova é pequeno
ou moderado.
Uma ação
movida na Justiça por organizações estudantis e institutos da área de educação
e uma carta de mais de 45 associações ligadas a ciência questionam a segurança
sanitária para a realização do Enem 2020 - a versão impressa está marcada para
este domingo (17) e o seguinte (24). O Brasil vive alta no número de casos do
novo coronavírus nos últimos dias.
A
Defensoria Pública da União pediu à Justiça o adiamento das provas na última
sexta (7), junto com a União Nacional dos Estudantes (UNE), a União Brasileira
dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e as entidades Campanha Nacional pelo
Direito à Educação e Educafro.
O documento
diz que "temos agora uma prova agendada exatamente no pico da segunda onda
de infecções, sem que haja clareza sobre as providências adotadas para
evitar-se a contaminação dos participantes da prova, estudantes e funcionários
que a aplicarão".
À Justiça,
o Inep afirmou que "reorganizar um calendário a nível de Enem é fragilizar
e colocar em risco políticas públicas dele decorrentes como sistema de cotas,
financiamento estudantil, instrumentos que por sua vez são as chaves para
minorar as desigualdades sociais tão alarmantes hoje no nosso país".
Na mesma
sexta, mais de 45 entidades científicas publicaram uma carta endereçada ao
ministro da Educação, Milton Ribeiro, em que expressam preocupação pela
realização do exame.
Encabeçam a
manifestação a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped) e a
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
Segundo a
carta, as medidas do Inep e do governo federal "não são suficientes para
garantir a segurança da população brasileira, num momento de visível
agravamento da pandemia no país".
O Enem 2020
tem 5,78 milhões de candidatos confirmados. Originalmente, o exame seria feito
em novembro, mas foi adiado devido à pandemia.
No começo
da semana passada, o presidente do Inep, Alexandre Lopes, descartou ao G1 um
novo adiamento, e disse que o órgão está preparado para fazer a prova durante a
pandemia.
Neste
último domingo (10), o Brasil superou a marca de 1.000 mortes por coronavírus
na média móvel após 5 meses. A variação foi de +65% em comparação à média de 14
dias atrás, indicando tendência de crescimento nos óbitos pela doença.
As provas
do Enem vão ocorrer pouco mais de duas semanas após as festas de fim de ano,
quando houve aglomerações em todo o país. Em diversos casos, a polícia
interrompeu festas, muitas repletas de jovens sem máscaras.
Neste
primeiro domingo, a duração máxima para realização da prova é de 5h30 - no
segundo será menor, de 5h.
Entre as
medidas adotadas estão a redução em 50% da capacidade máxima de alunos por sala
e o distanciamento social de 2 metros. Portas e janelas terão de ficar abertas.
O
presidente do Inep afirmou que não haverá planejamento especial para os locais
que estejam com aumento no número de casos. Disse que as provas vão ser feitas
aos domingos, quando há menor circulação de pessoas nas cidades, e citou as
medidas tomadas para a organização do exame na pandemia:
- Uso
obrigatório de máscaras para candidatos e aplicadores;
- Disponibilização
de álcool em gel nos locais de prova e nas salas (a quantidade total só será
conhecida após a aplicação do exame);
- Recomendação
de distanciamento social no deslocamento até as salas de provas
- Identificação
de candidatos do lado de fora das salas, para evitar aglomeração – haverá
marcações no piso para ter distanciamento, caso haja fila
- Contratação
de um número maior de salas: na edição de 2019 foram 140 mil locais de
aplicação; agora serão 200 mil
- Salas de
provas com cerca de 50% da capacidade máxima
- Candidatos
idosos, gestantes e lactantes ficarão em salas com 25% da capacidade máxima
- Higienização
das salas de aulas, antes e depois do exame
- A retirada
da máscara poderá ser feita, segundo o protocolo, para alimentação, ingestão de
líquidos e troca do item.
O que dizem
os especialistas
Márcio
Sommer Bittencourt, da Clínica Epidemiológica do Hospital Universitário da USP,
diz que, "de forma bem subjetiva", o risco com "pessoas em
silêncio, usando máscara, com distanciamento e janelas abertas poderia ser
considerado moderado" nas condições anunciadas pelo Inep.
Em sua
avaliação, a decisão de manter ou adiar o Enem é "muito complicada, mas
acho que estamos fazendo o exame no pior momento da pandemia no Brasil. Está
pior do que na data em que foi adiado [maio do ano passado]".
Para o
infectologista Jamal Suleiman, do Instituto Emílio Ribas, de São Paulo, "o
risco de transmissão nesse cenário é mínimo, porque a possibilidade de
disseminação de gotículas é praticamente zero. Não há comunicação oral nem
contato físico durante a permanência nas salas".
Ressalta
Suleiman afirma que "atenção especial deve ser dada aos momentos entrada e
saída da prova para que não ocorra aglomeração". "O ponto central é
que, se o processo seguir rigorosamente protocolo de segurança, estaremos
executando a flexibilização de maneira correta."
Miriam Dal
Ben, infectologista do hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, diz que as medidas
adotadas pelo Inep "são as indicadas pra mitigar o risco, mas o risco não
é zero".
Os sintomas
de Covid-19 podem aparecer até 15 dias após o contato com o vírus. Isso
significa que os candidatos poderão ter sintomas da doença próximo ao primeiro
dia de provas. Quem tiver diagnóstico confirmado da doença poderá pedir a
reaplicação da prova em 23 e 24 de fevereiro por meio da Página do Participante.
Caso os sintomas apareçam na véspera do exame, o indicado é ligar para o
0800-616161.
O que diz o
Inep
Por meio de
advogados da União, o Inep se manifestou na noite da sexta e rebateu os
argumentos da defensoria. Declarou que o exame já foi adiado por conta da
pandemia e, neste período, foram adotadas "todas as medidas sanitárias
para que o mesmo seja realizado com segurança"
"Cabe
destacar que não se está desconsiderando, aqui, a preocupação maior com a vida
e a saúde", ressalta o documento, que apontou as medidas que o Inep adotou
para evitar a transmissão da doença entre os candidatos.
"Tirar
a chance do estudante de prestar este Exame é acentuar, ainda mais, qualquer
discrepância social, econômica, é colocar em um local ainda mais distante as perspectivas
de ascensão e crescimento dessa juventude", afirma o documento.
Complementa
que "há que registrar que eventual adiamento do Enem 2020 pode
inviabilizar o Enem 2021 previsto para novembro 2021, já que o planejamento do
Enem começa em janeiro".
Via G1